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Entre Trolls e Justiça: Um Ensaio Sobre Lendas e Realidades

  • Foto do escritor: Adv. Tatyana M. Zagari
    Adv. Tatyana M. Zagari
  • 24 de jun. de 2024
  • 3 min de leitura

Atualizado: 25 de jun. de 2024

Não há decisão isenta, pois toda deliberação humana está imersa na 'Weltanschauung' do julgador. Idêntico é o percurso trilhado pelos integrantes do Poder Judiciário, Ministério Público e, quem diria, da Advocacia.


Propaga-se a existência de um Judiciário imparcial, alheio às especificidades contingentes, justo na aplicação da lei.

Impõe-se a aceitação de um mecanismo de dominação e exercício de poder, estigmatizando os dissidentes e taxando-os de bandidos e marginais.

Conforme alertou Nils Christie, cria-se a figura do 'troll' para justificar a implementação de políticas de segurança, controle e punição.

Essa construção não apenas legitima o poder das autoridades, como igualmente unifica a sociedade contra um 'outro' comum, fortalecendo uma ilusória coesão social interna.

Assim como os trolls nas lendas escandinavas, o inimigo moderno é uma construção cultural e simbólica, representada pela violência, pelo narcotráfico e pela guerra contra as drogas.


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Os trolls, criaturas míticas da Noruega, eram usados para explicar o inexplicável e aterrorizar, consolidando normas sociais e comportamentais.

Analogamente, a figura do inimigo é engendrada através de narrativas, discursos e políticas que imputam características malignas a certos grupos ou indivíduos, sejam eles criminosos, minorias sociais e raciais, imigrantes ou simplesmente seres indesejáveis, despojados do poder.

Não é por outro motivo que o troll das classes abastadas é protegido, enquanto o das classes vulneráveis é encarcerado.


Naturaliza-se a invasão de comunidades pobres por agentes policiais “armados até os dentes” que, nesta guerra contra o tráfico, causam baixas colaterais inevitáveis - crianças, mulheres e homens que engrossam as fileiras da população desassistida pelo Grande Irmão, o Estado.

Por outro lado, não testemunhamos invasões de casas noturnas, raves, condomínios fechados, festas privadas, iates e lanchas da elite, com o objetivo de conter a proliferação das drogas.


Paulo, jovem negro de 20 anos, com cabelo rastafári, morador de uma comunidade periférica, que fuma um cigarro de maconha na calçada de sua casa, pode ser agredido por guardas municipais e levado algemado para uma delegacia.

Em contraste, jovens e adultos jet setters ou hipsters estão protegidos, consumindo recreativamente cannabis gourmet, cetamina, MDMA, Venvanse, Rivotril e Zolpidem, entre outras drogas de altíssimo custo.

Aí estão os nossos trolls: as classes marginalizadas, compostas majoritariamente por negros pobres, consumidores de drogas.


Os eminentes cidadãos das classes altas não representam perigo, pois usam drogas recreativamente, fora das fossas das favelas, e não fazem disso um meio de subsistência.

O risco é atribuído apenas ao marginal que fuma seu prensado fétido, e não ao adolescente, tido como vítima, que se deixou levar pelo momento e usou MDMA, distribuído por seu amigo, da mesma classe superior, numa rave exclusiva.

E para manter este status quo, a linguagem de dominação é disseminada como uma urgência moral e é seguida pelo agente público fardado, obscurantista, que usa seu pequeno poder para extravasar frustrações através de violência contra os trolls, até o juiz e o promotor punitivista, que se orgulham de sua dureza contra a criminalidade, deliberadamente ignorando o que está diante de si -dura lex sed lex.


E para escamotear as engrenagens que ligam estes agentes estatais, de diversos níveis, neste mecanismo de domínio e sujeição, o “big brother” - de George Orwell, e não da Globo, institui uma linguagem e termos, dogmas e axiomas.

Todo um sistema que encobre o pérfido atavismo moral dos dominantes, que ridiculariza os dissidentes e que assassina os marginais.


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A nossa Justiça é azeitada pelo sangue de uma massa de miseráveis. O capital simbólico dos donos do Judiciário, sejam estatais ou particulares, já esteve no latim e nos termos herméticos de nossa língua portuguesa. Hoje, migrou para o apelo pela linguagem simples, para que se reduza cada vez mais o campo de raciocínio e a possibilidade de questionamentos.


Os jovens advogados, em sua maioria, já multiplicam o modelo “dados das partes”, “reprodução de artigos de lei”, “cópias de decisões de tribunais” e “pedidos”.

 Assim, pavimentam o suave caminho dos detentores do discurso vencedor, para que não tenham muito o que explicar.

E não poderiam fazer de outra forma, porque não foram forjados para a real batalha.

E, desta forma, as “verdades jurídicas” estão seguindo, adotando cores que mais fascinam os olhares: ora são cravejadas de latim, ora são coroadas como simples, para que o povo possa (supostamente) compreender o que é dito.

 

E com sorrisos discretos vamos polindo os patíbulos, para que os mesmos grupos sejam moídos para lubrificar o sempiterno mecanismo de poder.


TEXTO DE TATYANA MARÇAL ZAGARI

IMAGENS CRIADAS POR I.A.


 
 
 

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